A avó Joaninha tinha oitenta anos, traços de antiga beleza, ar doce e frágil, sempre bem disposta, mesmo quando algum achaque a apoquentava.Com infinita paciência aceitava as contrariedades com naturalidade, rindo-se das lamentações infantis da sua neta Mimi, que quando contrariada ou com algum problema na escola, era no colo da avó que se vinha aninhar, mimosa e choramingando. Ela embalava-a suavemente consolando-a com ternura.
Mimi via sempre a avó sentada no sofá a fazer casaquinhos e botinhas de lã, que mais tarde iriam aquecer qualquer bebé nascido nas redondezas. A avó tinha no quarto uma arca de madeira, onde guardava as peças de malha que ia fazendo, perfumando-as com saquinhos com alfazema que crescia em tufos pelo jardim.
Estava a chegar o Natal e a avó não tinha descanso, tricotando constantemente sentada perto da janela, só parando para comer.
As figuras do presépio já estavam fora das caixas trazidas pelo pai do sótão. Eram lindas. A mãe do Menino Jesus tinha um manto azul semeado de estrelinhas prateadas e o vestido era branco, todo bordado. O pai, S. José, estava embrulhado numa capa castanha e nas mãos tinha um tronco velho, um bordão como dizia a avó. Havia uma cabana, ovelhinhas, uma vaca e um burro, pastorinhos e um cão completavam o conjunto.
Era hábito só colocar o Menino nas palhinhas na noite da consoada. A Mimi não achava nada bem. Ela gostava tanto de ter Jesus nas mãos. Até parecia que as aquecia. Mas que pena só O poder rever na noite de Natal…E sempre nuzinho, coitadinho. Tinha tanta pena…Ia pedir à avozinha que lhe fizesse um casaquinho e umas botinhas, porque não?
Mas sem ninguém esperar, a D.Joaninha adoeceu gravemente. Toda a família ficou transtornada. Havia lágrimas e choros contidos, e a Mimi sentiu-se abandonada. Nem a deixavam ver a avó…O sofá estava agora vazio, as agulhas e as lãs atiradas para o cesto.
E uma noite quando todos dormiam, a menina levantou-se da sua caminha, e pé ante pé, foi até ao quarto da avó. Custou-lhe a abrir o fecho mas pondo-se em bicos dos pés lá conseguiu abrir a porta, e lentamente aproximou-se da cama. A medo tocou nas mãos da avó que lhe pareceu estarem geladas. Esta abriu os olhos e sorriu:
_Olá netinha, tinha saudades tuas…
-Também eu avó tinha saudades suas. Está doente não é?
_É sim Mimi. Se calhar este ano não vou ver o Menino Jesus.
Mimi subiu para a cama e aninhou-se contra a avó.
_Tem frio avó? Posso aquecê-la?
_Podes sim, chega-te mais a mim, e ouve com atenção. Tens de tomar conta das minhas agulhas e das lãs, e quando cresceres vais fazer roupinhas para os pobrezinhos, prometes? Não te vais esquecer pois não?
A menina aconchegou-se mais e com espanto viu anjinhos gordinhos com asas prateadas voando num céu lindo muito azul, mas com os pézinhos rechonchudos calçados com botinhas de lã de muitas cores. Que engraçado. Numa grande nuvem dourada estava sentado o Menino Jesus, muito rosadinho vestido com um casaquinho azul e sapatinhos amarelos. Que bonito! Estava vestido o Menino. E a Mimi bateu as mãos de contente.
Quando acordou estava deitada na sua cama, e a mãe beijava-lhe a cabecinha dizendo:
-A avó partiu, foi para o céu, filhinha.
Já bem acordada ela sorriu. Agora percebia. A avó Joaninha tinha chegado lá acima e logo pegara em agulhas feitas de raios do Sol e em pedacinhos das fofas nuvens, e fizera botinhas para os anjos e vestira o Menino Jesus. Que bom, agora Ele estava quentinho.
MARIA MARGARIDA
Novembro 2007